O Samba com a benção de Tia Ciata
Texto original de Wilson José de Freitas Santos
Adaptado por Vera Marini
Fonte: aqui

Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata, nascida livre em 23 de abril de 1854, em Salvador, foi juntamente com outras tias baianas, a principal responsável pela desenvolvimento e consolidação do Samba no Brasil. Foi no quintal da sua casa a fonte de inspiração do primeiro Samba gravado no Brasil, em 1916 - "Pelo Telefone” de Donga e Mauro de Almeida.

Baiana, cozinheira, Mãe de Santo e animadora cultural, chegou ao Rio de Janeiro, aos 22 anos e morou na Rua Visconde de Itaúna (próxima à Praça Onze), na época local conhecido como Pequena África, por conta da forte presença de negros baianos no local. Por ser uma mulher dinâmica e empreendedora, Ciata logo se destacou entre as baianas introdutoras do Samba no Rio de Janeiro, promovendo sessões de Samba em sua casa, enquanto tirava seu sustento da cozinha típica baiana, vendendo quitutes em seu tabuleiro. Mãe de Santo afamada, realizava rituais de culto aos orixás africanos e recebia em sua casa grande número de políticos, boêmios, músicos e batuqueiros para saborear pratos típicos, principalmente a moqueca.

Fundou, em 1907 ,o primeiro Rancho de Samba do Brasil - o grupo Rosa Branca - que percorria as ruas do Velho Rio com suas alegres pastoras (isso no fim do século XIX e princípio do século XX). O Rosa Branca tinha à sua frente Tia Ciata, Hilário, Tia Bibiana e Mestre Germano. Tia Ciata e Hilário tinham uma estreita ligação. Nasceram no mesmo dia e se tratavam nas rodas de Sambas como "Xará", já que tia Ciata se chamava Hilária. Hilário Baiano foi para o Rio de Janeiro em 1872, quatro anos antes de tia Ciata. E por isso já estava mais acostumado com a cidade.  Eram líderes natos entre os negros da época. Ciata com espírito agregador, familiar e religioso Hilário ou Lalau de Ouro era sensual, feiticeiro e polêmico.

Os ranchos eram cordões mais completos, pois aparecia o elemento feminino. O conjunto instrumental era acrescido por instrumento de cordas, violões e cavaquinhos e de sopro, flautas e clarinetas. Tinha também o coro, para entoar a marcha do rancho. Havia um porta-estandarte e três mestres, um de harmonia para a orquestra, outro de canto para o coro e um terceiro chamado de sala, para se ocupar com a parte coreográfica. Tia Ciata e Tia Bebiana eram tão respeitadas que todos os ranchos que saiam no Carnaval tinham a obrigação de cumprimentá-las. Com o tempo, os ranchos ganharam as praças da Zona Sul do Rio de Janeiro, principalmente Botafogo, Gávea, Laranjeiras e Catete.

Tia Ciata conheceu João Baptista da Silva, também da Bahia e bem situado na vida, havendo estudado até o 2º ano de medicina na Bahia. Tiveram uma relação longa, definitiva e fundamental na sua própria afirmação no meio negro. Com João Baptista teve 15 filhos, entre os quais Glicéria , Sinhá Velha, Fatumã (porta-bandeira do Rosa Branca, Celeste  e o caçula João Paulo que, a exemplo do pai, também estudaria medicina . Entre os netos, Bucy Moreira (compositor e batuqueiro) Ministrinho da Cuíca, Dino e Santa.

Naquela época, o Samba era proibido e para que houvesse as festas, era necessário pedir uma licença na chefatura de polícia. A polícia vigiava as reuniões dos negros (tanto o Samba como o Candomblé). Porém, Tia Ciata tinha o aval da polícia através do marido funcionário público de alto coturno. Foi neste ambiente que Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Heitor dos Prazeres, desenvolveram seus talentos musicais.

Passista de pés leves, Tia Ciata dançava nas festas. Além de vender seus quitutes, começou a aumentar sua renda familiar alugando roupas de baianas a teatros e também para o Carnaval. Depois que tia Ciata entrou no comércio de roupas, tornou-se folclórico assistir a um “pagode na Casa das Baianas”. Tia Ciata já tinha seu prestigio no meio negro e sabia usar o fato de ser viúva de funcionário público. Seu marido morrera em 1910.

Sempre vestida de baiana e estampando a sua autoridade, seu bom humor e sua solidariedade, ficava cada vez mais conhecida, mantendo relações com pessoas de toda a cidade, chegando ao ponto de ter vários soldados do Coronel Costa garantindo suas festas. Nesse período, os brancos das elites não eram vistos como inimigos e nem claramente responsabilizados pela escravatura. O negro se opunha ao branco pela diversidade cultural. Como naquela época não havia rádio, compositores lançavam sua músicas nas festas do Largo.

Tia Ciata ficou viúva em 1910 e, algum tempo depois, morre Tia Bibiana. Tia Ciata muda-se para a Visconde de Itaúna, rua em que passava o Carnaval para a Praça Onze. Veio a falecer aos 70 anos de idade. Em 2004, os 150 anos de seu nascimento foram comemorados no Centro Cultural José Bonifácio, no bairro carioca da Gamboa, no show "Afro memória" com arranjos, direção e roteiro do cantor e compositor Mombaça e participação da atriz Neusa Borges vivendo o papel de Tia Ciata. Na Bahia, a sua memória muito pouco é lembrada.


Para conhecer mais sobre Tia Ciata, uma fonte de pesquisa é o livro:"Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro", de  Roberto Moura, Funarte -1983. Você pode baixar o livro clicando AQUI. 
Vale a pena: as fotos, figuras e o texto são muito bons!